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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Direção de Arte existe na Publicidade?



Estou cansado de bater na mesma tecla, mas para a atividade de Diretor de Arte volto a repetir que é fundamental o entendimento mais específico do conceito de mestiçagem, do qual eu defendo e dissemino em minhas pesquisas e atividades de ensino, que são enormemente importantes para alguns esclarecimentos nessa área, podendo talvez, direcionar melhor o papel de atuação dos futuros profissionais.

Uma peça publicitária deve levar em conta, além da estética, o potencial de diálogo e mobilidade que a mesma deve adquirir quando é concebida pelo seu criador. Nesse sentido, devemos chamar a atenção para a existência de uma problemática ainda maior, que tem haver com as diferenças entre centro e periferia, onde acontecem diálogos urgentes, que envolve questões sociais, estéticas, plásticas e onde muitas vezes não há solidez de conceitos de marketing, que entram em contraste com a cultura física – lúdica, distanciando pessoas que não entendem de arte das pessoas que geralmente se dizem entendidos em arte, ora pela posição social ou poder aquisitivo, ora por conhecimento literário cumulativo.

Galeria Fortes Vilaça grafitada por "Os Gêmeos"
Um exemplo clássico disso é a cultura periférica de rua, que migrou dos viadutos, pontes, tubulações de esgoto, pistas de skate e música de gueto, florescendo da periferia no auge dos anos 90, para tomar o centro, como espaço de reconhecimento e prestígio. O grafite sempre foi um estilo de arte marginalizado entre os intelectuais da cultura abstrata e somente agora vem sendo reconhecido como um manifesto da cultura pós-moderna, de grande valor e representação por aqueles que antes o criticaram

Em parte, a propaganda foi uma das primeiras áreas de conhecimento a se apropriar desses elementos estéticos, pondo a vista da sociedade anúncios em revistas especializadas, em comerciais de TV aberta e em vinhetas de canais a cabo. Os Gêmeos, irmãos que assinam (´osgemeos’) em suas obras de rua, mostram perfeitamente como estilos culturais que estão fora do circuito de galerias e bureaus de arte podem ser incorporados a outros estilos de cultura, mais clássicos ou não, adquirindo reconhecimento crítico sem depender dos pseudos intelectuais e críticos de plantão.

Os irmãos paulistanos Otávio e Gustavo começaram a grafitar no final dos anos 80, no bairro do Cambuci (zona sul de São Paulo), onde nasceram. Eles militavam no movimento hip hop, quando este alcançava o auge no Brasil. Além de grafitar, a dupla percorria a cidade fazendo apresentações de break (modalidade de dança de rua que, juntamente com o rap e o próprio grafite, são marcas do movimento nascido nos EUA, na década de 70). "A gente frequentava a Estação São Bento (do Metrô), que na época era o ´point´ dos caras que curtiam hip hop", conta Gustavo.

Graças as suas habilidades de mesclas e mestiçagem entre os gêneros dispares da cultura brasileira, eles conseguiram atribuir às suas peças um nível de elaboração e riqueza de detalhes que se tornou motivo de estudo entre artistas e pesquisadores importantes de todo mundo.


Foi justamente o caráter mestiço de suas obras e a apropriação de elementos barrocos que estão expressos nos detalhes de seus desenhos, onde é mais evidente na criação dos trajes e nos atributos físicos de seus personagens, que causam a sensação de fluidez, como se os desenhos tivessem saído de nossos sonhos, algumas vezes da dura realidade brasileira, outras do lirismo poético e da mais pura manifestação artística criativa.


Quando Iuri M. Lotam se referiu ao conceito de Semiótica da Cultura, pondo em prática sua definição de 'semiosfera', ele estava considerando a existência de um diálogo natural entre diferentes textos, do encontro entre o texto formal (intermediado pela linguagem) com o informal, que nasce das manifestações naturais e humanas, como modelos semióticos universais, como uma extensão dos modos lingüísticos de expressão e significado. Nesse contexto, a Semiótica da Cultura atua na propaganda, mais precisamente, na Direção de Arte, como uma comunicação que produz uma nova informação, aumentando a capacidade de sentido a partir de processos de interação entre emissor-receptor e que contribui para o aumento do significado das mensagens.

O trabalho dessa dupla gerou filmes publicitários para Nike, no documentário patrocinado e co-produzido (juntamente com a O2 Filmes) pela fabricante de materiais esportivos. "Ginga - A Alma do Futebol Brasileiro" que teve direção de Hank Levine, Marcelo Machado e Tocha Alves e produção-executiva a cargo do cineasta Fernando Meirelles, que posteriormente os convidou para auxiliarem na produção das animações para a série televisiva da Rede Globo, Cidade dos Homens. Ainda por conta do trabalho para a Nike, Otávio e Gustavo passaram quatro meses viajando por cidades de sete países. Foi entre uma viagem e outra que surgiu a proposta de desenhar um tênis especial para a marca. Os calçados, produzidos em edição limitada e lançados apenas nas cidades visitadas durante o tour organizado pela Nike, tiveram a parte traseira, a língua e a palmilha ilustradas pelos grafiteiros.

Obs: Semiótica da cultura é uma disciplina teórica da Escola Russa. Constituiu-se no Departamento de Semiótica da Universidade de Tártu, Estônia, nos anos 60, em meio aos encontros da ''Escola de verão sobre os sistemas modelizantes de segundo grau'', reunindo professores da universidade local e também de Moscou. Explorando fronteiras com vários campos do conhecimento, deriva seus princípios da Lingüística, da Teoria da Informação e da Comunicação, da Cibernética e, evidentemente, da Semiótica. Vale destacar a participação de Iuri M. Lotmam e Mikhail Baktin.

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